Cremers e Prefeitura de Palmares deverão indenizar adolescente violentada por médico

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A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu, por três votos a dois, pela manutenção da sentença de primeiro grau que condenou o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e o Município de Palmares do Sul (RS) ao pagamento de R$ 120 mil a título de indenização por danos morais a uma adolescente vítima de violência sexual por parte de um médico durante consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O voto divergente vencedor, do desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, foi no sentido de que a distribuição de responsabilidade entre o Conselho e o Município deve ser partilhada na proporção de 2/3 para o Município e 1/3 para o Cremers.

A decisão é de quarta-feira (24) e foi proferida em apelações do Cremers e do Município de Palmares do Sul em ação ajuizada pela vítima, que pediu indenização por danos morais por parte das duas instituições.

Em 2013, então com 16 anos, a adolescente buscou atendimento para uma amigdalite em um posto de saúde no Balneário Quintão (RS) e foi agredida sexualmente pelo médico, clínico geral concursado da Prefeitura.

Em primeiro grau, a Justiça Federal do RS condenou ambos, solidariamente, ao pagamento da indenização, bem como pelo ressarcimento de gastos para tratamento médico e medicação necessários à vítima em virtude do trauma provocado.

Na sessão de julgamento iniciada em 25/9 do ano passado, ocorreu a sustentação oral pelo Cremers e o relator apresentou seu voto no sentido de dar provimento à apelação do Conselho para afastar sua condenação à indenização e de dar parcial provimento à apelação do Município de Palmares do Sul para reduzir a condenação para R$ 60 mil.

Houve pedido de vista dos autos, para melhor exame dos fatos e provas, o que culminou na apresentação do voto divergente que negou provimento às duas apelações.

Histórico de irregularidades

O crime ocorreu em janeiro de 2013, durante as férias da adolescente, no Balneário Quintão. Ela foi levada por uma parente ao posto de Saúde, queixando-se de amigdalite. Durante a consulta, o médico levantou a blusa da garota e apalpou seus seios, o que fez com que ela relatasse o ocorrido à família, que procurou a Polícia Civil. Em virtude do fato, o profissional ficou preso preventivamente por mais de um ano e foi afastado das suas atividades pela Prefeitura.

Essa, no entanto, não era seria a primeira situação na qual o médico se envolvia. Em abril daquele ano, o prefeito instaurou processo administrativo-disciplinar para apurar outras duas irregularidades, como o tratamento inadequado à uma criança portadora de moléstias cerebrais graves (ele teria gritado com a criança em junho de 2012) e humilhado um paciente com ofensas pessoais em novembro do mesmo ano, além da apuração da prática de violência sexual contra a jovem em janeiro de 2013.

O médico responde a processos criminais e por improbidade administrativa na Justiça Estadual, que determinou a realização de duas perícias médicas para avaliar sua capacidade psíquica e consequente apuração de responsabilidade.

O primeiro laudo constatou que o médico sofre de transtorno afetivo bipolar e síndrome de dependência do álcool mas, apesar disso, era inteiramente capaz de, à época dos fatos, compreender o caráter ilícito de seu comportamento diante dos pacientes.

Já o segundo laudo apresentou diagnóstico ainda mais grave, indicando as mesmas doenças, exacerbadas a ponto de retirar do médico a capacidade de modular sua própria conduta moral e profissional. Sobre o crime cometido contra a adolescente, afirmou que “nesta época eu tava (sic) muito tumultuado, tomando lítio de menos e vodca demais”.

Em virtude dos dois laudos periciais, a Vara de Curatelas da Justiça Estadual decretou a interdição do profissional e a nomeação de um curador.

Além disso, ainda durante seu período de formação, ele foi expulso de dois cursos de residência médica por mau comportamento em hospitais de Porto Alegre. Apesar dessa circunstância, passou a atuar como clínico geral e, em 2005, foi aprovado em concurso público municipal de Esteio, onde trabalhou em postos de saúde até 2010. Logo depois, ingressou no quadro efetivo de Palmares do Sul. Em Esteio, também foi alvo de sindicâncias, especialmente por não aceitar atender pacientes idosos.

Na juventude, morou em São Paulo, onde foi preso por pichar prédios públicos quando fazia parte de uma organização clandestina, já extinta, da qual também foi expulso por causar perturbações aos companheiros.

Negligências

Em seu voto, o desembargador federal Cândido Leal Júnior reiterou a sentença de primeiro grau, que apontou não haver justificativa para que o Cremers não tenha adotado nenhuma medida diante das expulsões do médico das residências em dois hospitais e permitiu, de forma negligente e culposa, que ele pudesse continuar exercendo a medicina e atendendo jovens, mulheres, adolescentes e outros pacientes.

“Ainda que não me pareça possível condenar o Conselho Regional de Medicina apenas pela causação dos danos (responsabilidade objetiva), tenho como possível de responsabilizar o Conselho pela negligência havida na manutenção do registro do médico que praticou as agressões contra a adolescente que atendeu como paciente”, afirmou no voto.

Em relação ao Município de Palmares do Sul, o magistrado apontou não ser crível “que os fatos só tivessem chegado ao conhecimento dos servidores e gestores municipais a partir da denúncia da adolescente molestada e de seus familiares. Um quadro grave e crônico como esse que veio a ser posteriormente apurado em diversos outros procedimentos não acontece de forma escondida ou às ocultas. Ao contrário, o mau comportamento do médico vinculado ao município parecia ser notório, seja por sua vida pregressa, seja por outras situações envolvendo atendimento ao público naquele posto de saúde”.

A responsabilidade do Município, segundo o voto divergente, não é apenas objetiva, decorrente do dano objetivo que causou à paciente adolescente, mas também decorre de responsabilidade subjetiva derivada da negligência com que se portou frente ao seu subordinado, deixando de acompanhar seus servidores e de perceber os nítidos sintomas e sinais exteriorizados de incompatibilidade com o atendimento ao público.

Ainda, a Corte manteve o valor fixado como indenização, “uma vez que o dano violou a dignidade sexual e a integridade física, psicológica e moral de uma adolescente que ia ao posto de saúde buscar um tratamento simples (tratar uma amigdalite), e acabou exposta a comentários de cunho sexual e apalpação e exposição de seus seios”.

O Cremers e Prefeitura de Palmares do Sul ainda podem recorrer da decisão

Fonte: TRF4

 

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